sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Chão de giz

Tossiu quando a fumaça desceu a garganta.
Primeiro cigarro e mais uma vez a vida se mostrou nada especial, nem sinos
ou trilha sonora de fundo, apenas o vento assobiando uma canção antiga.
Os carros passavam perto, não há calçadas em autoestradas. Justamente porque quem
andaria por elas não deveria estar lá. Fugindo, deixando tudo pra trás.
A sociedade não suporta pessoas assim, não pode simplesmente sair por ai.

 - Quem foi que disse que não? - disse a si mesmo com o dedão no ar esperando
que alguém, qualquer um, parasse e lhe desse uma carona.
 - Pra qualquer lugar - diria, estava ensaiado. Ensaiado todas as incertezas
do futuro próximo e tudo que sabia é que não voltaria. Não era uma opção.

Carregava na mochila ainda com cheiro de nova, camisetas, cuecas, uma calça e
um par de meia. Um cantil velho cheio d'Água, um canivete e 30 reais roubados da
carteira do "velho miserável". Assim que,  na maioria das vezes, chamava aquele que era seu pai,
mas muito recentemente deixou escapar, meio sem querer e foi o inicio de tudo ou quem sabe o fim.

Passou por um posto de gasolina e viu seu reflexo no vidro de um carro que saía, com cigarro no canto da boca
e o cabelo bagunçado, pela primeira vez na vida gostou de ser assim, de ser ele.
Sim ainda havia marcas dos tapas e arranhões, o olho não estava inchado mas aquela cor tipo um marrom claro ainda
o lembrava das surras. 14 anos de surras que moldaram o homem que era hoje.
 - homem sim. - argumentava consigo mesmo. Apesar da pouca idade já havia amadurecido e também não era como se lhe
foi dada escolha. Sabia como funcionavam as coisas, o mundo. Exatamente por isso sabia que não sentiria falta de nada,
da escola, dos supostos amigos. Não podia andar com eles, não era um deles. Ele sabia, eles sabiam, porra, até a droga
dos gatos das tias gordas e sebentas deles sabiam. Ele era de outro lugar, forasteiro, intruso. Por isso o tratavam
como o tratavam, como se ele fosse doente e que ao simples toque mataria qualquer um.

A cada passo o pó grudava no tênis, e a cada suspiro de cansaço lhe dava um caldo de força, vinda de sabe lá onde. Tudo que
importava era continuar andando, aquela ânsia de que ainda não era longe o suficiente, que dali ainda sentiria a dor dos socos
o mantinha focado, enérgico. Cuspiu a bituca longe, de um cigarro que queimou ao acaso e tratou logo de acender outro com a promessa
de fuma-lo por inteiro. Tomou um gole de água e viu o sol covarde se escondendo, se encostou em uma árvore imaginando onde passaria a noite.
Olhou pra trás e viu o campo fechado por árvores, pulou  a cerca de arame e havia achado o quarto da noite, e o melhor, era de graça.
Subiu em uma arvore lá ao meio mas não tão longe da estrada, uma que tinha dois troncos fortes que cresceram juntos. Perfeito.

Escureceu de vez e os carros que passavam podiam ver ao longe o ponto vermelho do seu cigarro, adormeceu em cima da árvore sentindo o vento trazendo
uma onda de calor.


Os bombeiros tiveram trabalho a conter o incêndio, dois hectares em chamas. Acharam o corpo, ou o que restou dele, carbonizado no chão.
Tentavam determinar se o incêndio era de causa criminosa ou acidental e as coisas se complicavam pois havia um corpo. Perguntas surgiam toda hora, tipo:
 Será que ele morreu tentando apagar o incêndio? Será que ele o causou? Por que aqui? Alguma rixa com o dono do lugar?


...adormeceu em cima da árvore sentindo o vento trazendo
uma onda de calor. Não dormiu muito tempo e logo começaram os pesadelos, as velhas surras, a voz do "velho miserável". Se contorcia em cima da arvore e nisso
o cigarro caiu de sua boca, encontrou lá embaixo o mato seco.

O pesadelo era muito intenso, acordou de súbito e viu o inferno embaixo de si.
Com o susto escorregou e despencou da arvore, os carros que passavam, agora em menor quantidade, viam chamas gigantescas.
Mas o que assustava eram os gritos, gritos fortes que logo se transformaram num urro rouco e se calaram.





Nenhum comentário:

Postar um comentário