terça-feira, 29 de abril de 2014

Tão Sujo Quanto A Cidade

As ruas
tão sujas quanto minhas veias
do jeito discreto com que jogam
o papel de bala no chão
eu poluo meu sangue
sempre sangue e algo mais
na seringa no chão

O ar
cinza e quase tão podre
quanto o que solto dos meus pulmões
temos o mesmo cheiro
sangue, sêmen e saliva
exalando a cada passo
monóxido de carbono

Por pior que sejamos
alguém nos ama no fim da noite
alguém sempre quer voltar
alguém sempre quer mais

O rio
tão amarelo quanto o suco
que sai do meu canal urinário
bebem dessa agua do mesmo jeito
que bebi da minha nos meus piores dias
nas maiores secas da minha vida

As pessoas
cômicas como em minha imaginação
resmungando, amaldiçoando e transando
como se fosse tudo o que há
se perdendo nos próprios pecados
se afogando nos próprios desejos
ruindo em culpa
como eu

Por pior que sejamos
alguém nos ama no fim da noite
alguém sempre quer voltar
alguém sempre quer mais

Outro cigarro
Outra dose
Outro quarto
Outros lábios
Mesmo erro
Outro corpo
Outro caso
Se afogando
No lado raso
Pedindo por mais
Implorando pelo fim
Outras 5, 7 horas
Outra volta
Alguém sempre quer voltar
Alguém sempre quer mais
No fim da noite
Por pior que a cidade seja
Ela dorme em paz
     "É difícil acreditar que não há ninguém lá fora
É difícil acreditar que estou sozinho
     Pelo menos tenho seu amor, a cidade me ama
       Sozinho como eu estou, juntos nós choramos"


sexta-feira, 11 de abril de 2014

A Carta Suicida de Claudio Henrique

Incrível o silêncio que está agora, justo agora.
Chega a ser irônico, a casa insiste em ranger a noite toda mas agora
um silêncio de matar. Talvez ela saiba, talvez ela veja.
Não há muito o que fazer depois que se toma uma decisão dessas.
A cadeira esta posicionada, a corda bem amarrada.
Só falta a carta.
Talvez a parte mais difícil de tudo, mais difícil ainda do que
colocar em volta do pescoço o último suplico por ajuda.
Mas vamos lá.

Deveria começar "endereçando" a carta, mas citando nomes posso causar
alguma confusão, um mau entendido e alguém ai vai ter que viver achando
que é culpado.
Mas se bem que a confusão estará pronta assim que tombar aquela cadeira.

"A quem interessar:"

Melhor assim. Impessoal.

"Se você que, ao encontrar meu corpo, se pergunta o porque ou
o que leva uma pessoa a tirar a própria vida, eu te devolvo
a pergunta: Por que tem que haver um porque?
Por que VOCÊ não pensa em tirar a própria vida?

Eu poderia listar uma série de razões pela qual eu fiz/farei isso.
Poderia dizer que não suporto mais a vida de casado, que eu e minha
esposa somos muito diferentes, que brigamos muito. Mas a verdade
é que eu a amo, muito.
Eu poderia falar do meu trabalho e como não aguento mais aqueles
putos e é verdade, mas não estou fazendo isso por eles.
A verdade é que eu não sou feliz, não consigo.
Nasci desprovido da capacidade de ser feliz.
Quebrado.
Sinto essa maldita dor o tempo todo, que vai do meu cérebro até
meu coração e volta. Rasgando e me sufocando.
E a parte engraçada é que eu não faço a mínima ideia por que sou
tão miserável.
E acho que chega.
Eu não estou fazendo isso por algum motivo secreto, por segredos
que estão por serem revelados.
Eu estou me matando porque eu SOU triste.
Sempre fui.
Ninguém nunca viu.

 Claudio Henrique."




E assim foram os últimos momentos de Claudio no mundo dos vivos,
após o ponto final ele tampou a caneta, a colocou no bolso da camisa
e se enforcou.
Quem o achou foi o cunhado, vomitou a sala toda. Pobre rapaz,
todo encorpado e com uma voz grossa de locutor de rádio AM mas mole
feito uma garotinha.
Mau sabia Claudio que apesar de ser claro em suas palavras finais,
ninguém entendeu nada.
Ainda se perguntavam porque, se ele havia comentado algo com alguém.
Acho que é difícil mesmo de aceitar que alguém esteja em constante
dor, e que essa dor não seja causada por algo físico.
Ele morreu.
Se matou.
Porque não era feliz.

Tudo é mais interessante as 5 da manhã

As 5 da manhã de amanhã
o síndico vai bater à sua porta
ela toda torta e de roupão
vai ouvir ele dizer:
não da mais.

E então as 5 da manhã de amanhã
um guarda vai bater no vidro do seu carro
vai exigir documento, habilitação e juízo
e te dizer com desprezo:
vai embora rapaz.

As 5 da manhã de depois de amanhã
vai acordar em frente a casa de seus pais
o velho chegando do serviço
você se desculpando do sumiço
e explicando como ela não te quer mais.

E as 5 da manhã de uma terça do mês que vem
você vai largar do cigarro
jurar um ultimo trago.
De cima de um prédio.
As 5:02 você estará lá embaixo.
Indo embora.
Achando que tudo vale a pena.
Que pena.
Você não é mais o cara das 5.
Você é só mais um que acorda as 6:15 agora.