quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sorte?

Quantas horas
mortas

Quantas marcas
sem graça
sem dó
Quando os dedos
nos cabelos
me faltam
Quando os medos
de que me escondo
me acham

Quando papo
furado
faz sentido
Quando acho
num maço
20 amigos
Quantos carros
passam
e só
Quantas vidas
como a minha
viram pó

Quando desgosto
que resta
em mim
Cheiro de esgoto
de ressaca
de fim
Gosto podre
de cor ocre
de morte
Dos dias que passaram
dos dias que me restam
sorte?

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Cara Que Matou o Diabo

- Você sabe o que tem que fazer.
Apesar de todo suor a 9mm do meu pai não tremia em minhas mãos. Mas como eu
poderia ir adiante, afinal ele é o meu melhor amigo.
Talvez eu tenha ficado louco, essa coisa toda é uma loucura. Conheço
o cara desde criança e não é possível, quero dizer, eu vi as coisas
que ele fez mas pode ter sido, sei lá um surto psicótico.

- Anda logo, atira!
- Cala boca! Eu vou atirar porra.
- Então anda logo.

Engatilhei a arma pronto pra grudar pedaços do cérebro dele no asfalto
até ouvir sua risada. Aquilo me congelou, ele ajoelhado no chão com
uma arma apontada pra sua cabeça, ria, ria como se não fosse nada, como
se não fosse o fim.

- Você não quer fazer isso Ernesto.
- Cala boca - eu falei - Porra, por que você fez aquilo cara? Quero
dizer, que diabos você estava pensando?
- Que diabos eu estava pensando? HAhaha Cuidado com quem você chama
caro amigo, nunca se sabe quem pode vir dizer um oi. E outra,
eu só estava seguindo seu conselho, lembra?
Se eu for eu mesmo as pessoas vão gostar de mim. AHhahahaha

- Atira logo!
- Para de fica gritando na minha orelha Carlos. Eu sei o que tenho
que fazer, então para com essa merda.

Eu sabia o que tinha que fazer mas a cada minuto que passava ficava mais
difícil, e Carlos, porra ele sempre foi tão certinho, criado como Católico
daqueles que dizem que tudo é pecado. Agora ele esta aqui, decidido
a matar alguém, como se fosse fácil, os olhos dele estão cheios de ódio
nem parece o mesmo.

- Ernesto você viu o que ele fez, você sabe do que ele é capaz.
- Carlos, Carlos, CARLOS...- falou Agnaldo ainda ajoelhado e com um
sorriso no rosto - Eu realmente nunca gostei de você sabia.
Seu puritanozinho de merda. Você se acha sem pecados ahn?
- Não fale comigo.
- Será que você já se esqueceu?
- Não fale comigo.
- Se esqueceu do seu querido padre?
- Não fale comigo.
- Se esqueceu do dia em que ele tocou lá?
- CALA BOCA!
- Ah é, mas no fundo você gosto não é? Afinal você podia ter dito
não, você podia ter contado a alguém, denunciado ele. Mas não, você não
fez nada, deixou que ele continuasse apertando os pobres garotos não é?
Mas hey desde que ele não esfregue a pamonha velha em você tudo bem né não?

- CALA A PORRA DESSA BOCA!!!
- AHahahahaha.. Qualé Ernesto, você não vai atirar em mim, vamos ser
realistas. O que é que você vai dizer pros seus pais hein? Porra o que
é que você vai dizer pros meus pais?
Que a gente saiu e você resolveu meter uma bala na minha cabeça?
- Não interessa
- E você em Carlos, o que vai dizer quando for se confessar pro seu padre
pedófilo de merda?

Ele falava com Carlos mas pela primeira vez, Carlos não respondia.
Percebi que ele estava quieto fazia algum tempo já, olhei pro lado e ele estava
afastado, o ódio nos olhos dele tinham sumido, perdido lugar para
algumas lágrimas que ele tentava segurar. Seu rosto fechado numa careta
estranha, uma mistura de pavor e surpresa.

- hahahaha HEIN CARLOS O QUE VOCÊ VAI DIZER PRA PORRA DO PADRE?
- Ele vai dizer que matamos o demônio - sem pensar puxei o gatilho
três vezes, o barulho foi ensurdecedor. Carlos deu um pulo, pareceu sair
de um transe, me olhava agora admirado, quase com orgulho.
Além do eco e do zumbido em meus ouvidos, não ouvia mais nada. A poça
de sangue se formava, ele agora caído com os olhos arregalados. Quase não percebi
que Carlos falava comigo.

- Ele morreu?
- oi?
- Ele Morreu?
- É, eu acho. Eu  acho que sim.
- E agora? O que a gente faz, você se sujou.

Olhei e vi que o sangue dele tinha respingado em mim. Mas eu não me importava
algo tinha mudado, algo estava diferente em mim. E eu não consigo para de pensar
no que ele disse quando chegamos aqui.

"Eu não me importo em morrer Ernesto, hahahah desde que seja você que me mate.
Vai se abrir um novo mundo diante dos seus olhos. hahahahaha
Quero dizer, você acha mesmo que pode me matar? uhm? Será que é hoje
que lhe cresce um par de bolas?"

Carlos e Eu não trocamos uma palavra no caminho de volta pra casa, ele apenas disse:
- Te vejo amanhã.
E foi isso.
Assim que ele entrou, comecei a descer a rua e decidi que os pais do Agnaldo mereciam
enterra-lo, afinal eu não acho que eles saibam quem ele realmente era.
Passei por um orelhão antes de ir pra casa.


"- 911, qual sua emergência?
- ah, eu ouvi tiros eu  acho que alguém morreu, eu ouvi eles discutindo.
- Senhor qual o seu nome senhor?
- Foi na rua João Lopez, no parque industrial.
- Senhor..."



Mais tarde na rua João Lopez.

- Malditos moleques, acham engraçado ficar passando trote pra policia.
- Tem uma poça de sangue ali Senhor.
- Ah esquece isso, provavelmente um bicho que morreu ai.
- Mas senhor, tem bastante sangue..
- Hey! Novato! É o seguinte, sem corpo sem assassinato, aprende isso. Agora vamos, to afim de um café.




sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Teto de Vidro

O barulho das sirenes era ensurdecedor, parecia que eu
tinha um enxame na cabeça. E esse hipócrita que diz que é meu pai
me arrastando por ai. Idiota. Eu poderia estar dando um trago ou
chupando a língua de uma garota uma hora dessas. HAHAHA, pelo menos
eu poderia estar tentando chupar a língua de uma garota.
Uma porra de incêndio, ele me trouxe pra porra de um incêndio.
O que diabos ele ta fazendo aqui, ele é policial.

O pouco que restava do fogo estava agora sobre controle e sendo
dissipado, havia apenas fumaça e fuligem. Ele era delegado não bombeiro,
não entendia o motivo de ter sido chamado. Tanta coisa acontecendo em
casa e agora essa perda de tempo. Não podia perder tempo, não quando
seu filho era o que mais parecia causar problemas na cidade.
Bom talvez tenha sido chamado aqui porque essa peste de moleque
foi quem começou o incêndio. Era só o que faltava, mas se fosse
isso não o surpreenderia. Acabara de pegar ele em um fundo de vale
fumando maconha com um bando de vagabundo que roda pela cidade.
O moleque parecia fazer de propósito, estava deixando a mãe dele
louca e doente, porra, até ele já estava ficando louco.

Se aproximou do tenente do corpo de bombeiros e procurou se informar
da situação e porque diabos havia sido chamado. A fumaça castigava
os olhos e os pulmões então tratou de ser direto.

- O que aconteceu aqui tenente? Por que diabos fui chamado?
Incêndio é com seus rapazes, não?
- Boa noite delegado, eu não te chamei aqui por causa do incêndio.
- Então?
- Infelizmente foi o que achamos aqui depois que controlamos as chamas
que me tirou o sono. Um corpo carbonizado, pequeno, provavelmente
uma criança. 12 ou 13 anos.
- O Que? Como assim?
- Por aqui...

Tenente Pedro Alberto, 13 anos no corpo de bombeiros. Conhecido por sempre
manter a calma, fama que lhe rendeu a confiança das pessoas certas
e o atual cargo na corporação.
Mostrou o caminho entre todo alvoroço até o corpo e a imagem foi
chocante. Restos de uma pessoa encolhida, já nenhum sinal de pele ou
qualquer outra coisa além dos ossos que pareciam se esfarelar ao
toque. Visão que tirou as palavras de mais um veterano no serviço.
Delegado Renato Abraão lima, 17 anos na policia. Sem palavras.
Ainda em uma espécie de transe olhou para o tenente.
Olhou ao redor.

- Droga - começou - droga, vocês apuraram o que aconteceu aqui?
Alguma informação?
- Não, nós apagamos o fogo. O trabalho de detetive é com seus
rapazes Delegado.
- Droga, chame a peri...

Um ruído alto pegou todos desprevenidos, entre chiados e resmungos
dos que ali se encontravam, a voz de G.G Alin parecia estar sendo
vomitada do inferno.
Olhou em volta e quase não acreditou, aquele peste que saiu do ventre
de sua esposa. Ele realmente não queria acreditar naquela cena.
O desgraçado pegou o megafone e posicionou na saída de som do celular
exibindo a merda toda pela janela do carro.
Ele sorria feito um louco, inacreditável.
Os primeiros passos do Delegado Abraão foram quase em câmera lenta,
mas quando sua atenção foi ganha, começou a correr e aqueles olhos
penetravam nos seus.
Olhos loucos.
Agora corria fora de controle.
Chegou ao carro, o moleque simplesmente sorria e continuava segurando
o maldito megafone. Aqueles olhos.
Abriu a porta do carro com uma mão, com a outra o jogou pra fora de lá.
Começou a arrasta-lo num ritmo frenético, o garoto apenas sorria.
Gargalhava.
A cena era bizarra e surreal demais pra que qualquer pessoa ali
dissesse algo ou se quer permitisse que o ar saísse dos próprios pulmões.
Chegaram ao corpo e o semblante do moleque se transformou em fração
de segundos, uma careta de nojo e espanto agora estampavam seu rosto.
Renato totalmente perdido em raiva, forçava a cabeça do próprio filho
contra um cadáver, preto e molhado. Num impulso Tenente Alberto chegou
aos dois e puxou com toda força que tinha o delegado pra longe.
Estava possesso, mas aquilo não podia continuar. Começavam a chegar
repórteres e toda imprensa da cidade e região. E com essa maldita
mania de má utilização dos avanços tecnológicos, logo todo esse circo
estaria na internet. Isso era inadmissível a sua reputação.
Conhecia o menino, sabia que era problema. Mas basta.
Caíram os dois, o menino livre engatinhou pra longe do corpo.
Suor e lágrimas escorriam do seu rosto. Estava aterrorizado.

- Porra Renato, que porra você ta fazendo?
Nenhuma palavra em resposta, o delegado parecia de volta ao transe.
Se levantou, puxou o moleque pelo gorro da blusa e foram para o carro.
Os pneus levantaram pó enquanto saia em disparada dali.
O celular ainda tocava G.G Alin.
    "Inútil porco-homem em seu uniforme azul falso
    Você tenta me dizer o que fazer, mas eu nunca vou conformar"
Se limitou a arremessar pela janela o celular, acelerou
no caminho de volta pra casa.
E simplesmente acelerava.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Bola Fora

Encontrou em meio a bagunça que tirava da garagem uma caixa velha
e empoeirada. Coisas de 30, 40 anos atrás, da sua adolescência,
do colégio. Fotos antigas do casamento, ele ainda tinha todos
os fios de cabelo na cabeça, ainda podia sorrir.
Achou seus antigos cadernos do colegial, rabiscos ingênuos de alguém
que ainda não fazia ideia do que era viver.
Foi até a cozinha escura, abriu a geladeira e se serviu de um copo
de leite. Sentiu-se um estranho na casa que lhe custou 30 anos de
trabalho.
Se sentou a mesa e começou a folhear ao acaso, relembrando os planos,
achava que a essa altura da vida seria um velho feliz, prestes a
se aposentar.
Filhos, netos.
Errou, apostou suas fichas em uma mão ruim. E o pior, ele viu as
cartas, ele tinha a vantagem sobre tudo. E fodeu com tudo.
Hoje era tudo cinza e infelizmente teve que chegar até o fundo
pra ver que tinha caído no poço.
As suas coisas encaixotadas num canto, as fotos em que aparece
foram retiradas da parede, porta-retratos tombados pelas estantes.
Engoliu o leite, o choro e o orgulho.
Começou a levar as caixas para o carro.
A cada caixa morria um pouco, mas era irremediável o fim. Era
hora de pagar pela péssima pessoa que se tornou.
Olhou o carro estacionando, era ela.
Tinham combinado que ele pegasse todas as coisas e deixasse a chave
na caixa do correio. Ela não queria vê-lo. Tarde demais, ele perdeu
um tempo sentindo pena de si mesmo na cozinha. Ela olhou pra ele
e bufou.

- Achei que tínhamos combinado que você não estaria aqui quando
eu chegasse - disse ela em tom de briga.
- Olha - começou - eu achei que daria tempo, sinto muito.
- Ah claro que sente.
- Putz, eu não quero brigar. Não faz sentido brigar agora.
Eu sinto muito mesmo, pelas coisas que disse e que você sabe
que não são verdade, que eu não acho tudo aquilo de você.
- Agora é fácil você dizer isso não é? Você parecia estar muito
seguro da sua opinião quando me chamou de "vadia dadeira filha da puta".
- Eu... eu realmente sinto muito. Por tudo. E você não vai mais
ter problemas comigo.
- É? Por que? Tá pensando em morrer é?
- Eu só quero dizer que eu finalmente entendo, não vou atrapalhar
ou atrasar você de alguma forma. Nunca mais, é hora de eu começar
a pagar pelas minhas escolhas.
- Como assim? O que você quer dizer? Olha aqui seu velho besta
se você tiver pensando em fazer alguma besteira e me deixar na mão
você pode para com isso.
- Eu já disse, não vou te atrapalhar. Não se preocupe.

Colocou a ultima caixa no banco de trás. Entrou no carro.
Ela ainda estava ali parada com ar de tristeza.
- Eu sinto muito - disse, ligou o carro e saiu.
Olhou pelo retrovisor e viu sua vida ficando lá trás.
Sozinho no carro, dirigiu até um hotel qualquer.
Pegou um quarto qualquer.
Era assim que seriam as coisas agora, um punhado de "qualquer" e "tanto faz".