quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O tempo é um círculo plano

Eu tenho os olhos da minha mãe
meu pai dizia:
parece que não enxerga
um palmo na frente do nariz.
Eu tenho o coração da minha mãe
meu pai dizia:
você é tão fraco como ela
ela me amava mais do que devia.

Eu odiava a sua mãe
meu pai dizia:
ela mostrava o quanto eu era ruim
as vezes até sem querer.
Eu tenho as manias que minha mãe tinha
meu pai dizia
que ela também não gostava do miolo do pão
que ela também não gostava muito dele.

Meu pai me pediu desculpas
enquanto me pagava uma cerveja
em um boteco de paredes brancas
com faixas amarelas
na esquina da rua em que morou,
quando ainda não era meu pai.

Me pediu desculpas
no dia em que o pai dele morreu.
Meu pai disse que o pai dele
também dizia muitas coisas.

Meu nome é nome de rua

Eu tive centenas de vidas
eu fui dezenas de EUs
eu vivi demais

Eu morri demais

Eu morri
quando alguém morreu
alguém que eu mal conhecia
com quem eu não me importava
ou não sabia que importava pra mim

Eu morri
quando eu mudei
e morri novamente pra voltar a ser eu
morri quando cresci
e quando percebi que cresci

Eu morri demais

Eu morri
quando não soube lidar com a vida ao redor
quando me isolei
eu morri aquele dia
e morri quando voltei

Eu morri
por sorrir demais
e por deixar de sorrir
eu morria as vezes quando chorava
e todas as vezes que segurei o choro

Eu morri demais

Eu morri
quando parti
quando partiram
e quando me partiram
eu sorri antes de morrer

Eu morri
quando me obriguei a lembrar
quando me forcei a esquecer
morria quando acertava
e quando tive que admitir que errei

Eu morri demais

Eu morri
quando gritei com outros
quando gritaram comigo
quando eu só queria gritar
e não podia
eu morria

Eu morri
quando me olhei no espelho
quando me perguntaram meu nome
quando minha voz falhava
morria de vergonha
e de saudade

Eu morri demais

Eu morri
hoje enquanto escrevia
ontem enquanto a cerveja acabava
quando eu nasci
eu morri também

Eu morri
e morro
quando não sei o que fazer
quando não tenho aonde ir
quando me escondo da vida eu morro
e quando vejo que ela é boa

Eu morro demais
morro de vontade de viver

A Boa Luta

Olha ali atrás da porta
por entre a janela
dezenas
centenas
milhares de outros mundos
que não sabem
ou não se importam
se o seu mundo existe

Olha ali no espelho
seu reflexo
como você erra
em se importar demais
em se deixar levar
por outros mundos
outros corpos
além do seu

Abre o olho e vê
ou força uma olhadela
as chances não são das melhores
o vento não sopra a seu favor
os deuses não vão com a sua cara
a sorte não respira na
atmosfera do seu mundo
e você vive no seu mundo
você vive a sua vida

É tão difícil assim de ver?
será que esta cego?
você não pode mudar outros mundos
você não pode mudar a direção dos ventos
o tom das vozes
e as vontades regentes
você não pode mudar o que sente
o que te resta então?

Se afogar no mar de solidão
caminhar horas na rua da amargura
tropeçar nos próprios passos
confundir o próprio rosto no espelho
ruir
sofrer
e por fim
morrer ao relento
?

Não!

No seu mundo você é rei
sua palavra de ordem é lei
espada e escudo
não, você não pode controlar o que sente
mas você pode controlar o que faz
as chances não são boas?
Fodam-se as chances!
O vento não colabora?
Foda-se o vento!
Danem-se os deuses e a sorte.
Se você quer mais
faça mais
você
por você
faça
faça
faça
ande o caminho todo
caia
caia
caia e levante
ou não vá!
lute as sua batalhas
e se orgulhe das suas cicatrizes
e no fim
se morrer
que morra de amor
não vai ser fácil
nunca será fácil
mas você será mais forte
os mundos desfilaram ao seu redor
admirados
e quando for demais pra você
quando o abismo for fundo demais
quando você se esquecer de tudo isso
eu te garanto
um outro mundo te estenderá a mão
maravilhado com seu brilho
mesmo no chão você inspirará outros
e como não amar alguém que passou por tudo isso

Olha pra você
olha hoje pra você
pra suas qualidades
porque você tem que reconhece-las
faça mais
e mais
e mais
tente com cada vez mais vontade,
ande o caminho todo
eu sei que você vai conseguir
eu sei que você vai sorrir feliz no final
eu sei
eu sei sim.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Do meu quarto

São sempre
outros versos
outros risos
outros lábios

Se amam
enlouquecidos
em combustão
e eu observo
do meu quarto

As garrafas
esvaziam-se
se enchem
e acabam

Eles se amam
peito a peito
grudados
enquanto os vejo
aqui do lado

Faço trilha
apelo e coro
súplicas
por companhia

Se amam
se devoram
e riem no fim
se perguntando se por hoje
tá bom pra mim

Assisto
horas a fio
os beijos
as mordidas
e os abraços

Vejo todas as cores e curvas
sinto o cheiro
e ouço os suspiros
bebendo sozinho
espiando os vizinhos
do meu quarto

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Progresso

Claudio, ou Claudinho pra família, era muitas coisas mas não sabia. Levou um tempo pra ele perceber que todo mundo parecia saber quem ele era, exceto ele. Se deu conta disso pela primeira vez quando olhava um vídeo game dentro de uma loja qualquer. O atendente veio até ele e perguntou se ele iria comprar alguma coisa, ele repetiu as palavras que aprendeu observando os outros clientes.
- Estou apenas dando uma olhadinha.
O rapaz o olhou do alto da sua cabeça até seus pés e disse friamente:
- Você não pode ficar olhando nada, se não vai comprar vai embora.
Claudio como não tinha a intenção de comprar algo mesmo se virou e saiu da loja, mas pode ouvir o mesmo atendente se justificando sabe-se lá porque com as outras pessoas:
- Ladrãozinho.
Claudio descobriu aquele dia que era ladrão, devia ser afinal por qual motivo alguém diria isso. Provavelmente pegou algo de alguém algum dia e não devolveu, mas a justificativa não ameniza o fato ou esclarece a intenção.
Pegou e não devolveu é ladrão.
Ficou pensando nisso enquanto fazia o caminho de casa. Entrou no ônibus lotado se perguntando se poderiam reconhecer que ele era ladrão apenas  de o olharem. O ônibus lotado num dia quente sofria com o cheiro, como seu pai costumava dizer, desodorante vencido. Havia no ônibus 2 rapazes que por algum motivo usavam jaquetas com aquele calor. Eles eram altos e loiros, imaginou que deviam ser de outro lugar.
Será que sendo de outro lugar também reconheceriam um ladrão? Se perguntou incomodado de que apesar de lotado o ônibus, ninguém se sentava do seu lado, os mais próximos dele eram os loirões no banco
da frente com suas jaquetas e os rostos molhados de suor.
Uma menininha correu assim que entrou no ônibus e se sentou ao seu lado enquanto sua mãe pagava a passagem. Se acomodou ao lado dele e abriu um sorrisão de orelha a orelha. Ela deve estar querendo
ir é na janela, pensou. Antes mesmo de oferecer o lugar à senhora, ela puxou a filha pelo braço indo ficar em pé dois bancos pra trás.
Ser ladrão parece tão solitário, pensou, e tão fácil de se perceber. Desviou o olhar decepcionado com ele mesmo para a rua lá fora, realmente não lembrava de ter roubado ou pego algo de alguém. Não precisava
de nada, de ninguém. Seu pai lhe dava em excesso todo tipo de coisas. Tênis e roupa mal cabiam no guarda roupa, alguns até eram doados sem nunca serem usado. Crescia rápido por esses dias e a mãe gostava desse negocio de compras. Pensou nos pais, se eles reconheceriam que ele era um ladrão que nunca roubou. Sua atenção foi desviada para o senhor que ameaçava se sentar ao seu lado. Ele se sentou
mas imediatamente levantou e se dirigiu ao fundo do ônibus resmungando em um tom não tão baixo: preto fedido. Todos o olharam, desde o cobrador até o par de loiros no banco da frente.
Claudio descobriu que era preto e não negro como seu pai o ensinara, aliás, era preto e fedido. Timidamente levantou o braço cruzando-o por cima da cabeça e fingiu coçar as costas, apenas um pretexto pra sentir o cheiro de debaixo do braço. Não estava fedido. Reconhecia o mau cheiro no ônibus, mas tinha certeza que não era ele.
Bom, talvez não fosse ele. Será que ele se acostumou com o cheiro mal que não conseguia reconhecer que era dele? Não faz sentido.
Nada fazia sentido, ele tinha saído de casa com a intenção de ir ao curso de violão clássico que o pai insistia que fizesse. No período de 3 horas descobriu que era preto, fedido e ladrão.
O sentimento de desamparo e solidão crescia mas era hora de descer do ônibus. Ali era o ultimo ponto da linha e como dizia seu pai a companhia de transporte, com razão ou não, acha desnecessário ônibus por aquelas bandas. Provavelmente era o unico que usava o transporte por ali, por isso qualquer sinal de protesto seria inutil. Não mudariam a programação apenas por ele, argumentava o pai.
Seguia pelas ruas cabisbaixo e transpirando por causa do forte calor que fazia. Nem mesmo o traje que usava aliava os 35 graus com sensação de 40. Regata, bermuda, chinelo e o velho livro de partituras
embaixo do braço.
Tentou livrar a cabeça daqueles pensamentos, eram muitos e muito fortes. Virou a esquina chegando enfim a rua da sua casa, andou mais alguns metros  e se embrenhou por entre os carros tentando atravessar a rua, era hora de grande movimentação por ali.
Começou a andar e viu a sua frente um pai e seu filho num carro de luxo. Estava relativamente quieto pra tanto trafego por isso pode ouvir claramente os protesto do menino quando seu pai começou a subir os
vidros do carro, o pai explicou que logo abriria e que estava fazendo aquilo porque não queria dar dinheiro pra um marginalzinho, apontando para Claudio.
Ele olhou pra eles enquanto o vidro subia, olhou pro próprio peito e olhou para trás. Infelizmente Claudio descobriu que o marginal era ele.

Ele lembra disso até hoje, 15 anos depois, enquanto discursa no inicio de um pequeno evento que marca a aposentadoria do pai. Como se fosse ontem, ele pode se lembrar como chegou a grande e exagerada
casa que seu pai comprara. Foi até o banheiro, encheu a banheira, tomou banho e chorou.
Mas sobreviveu.
Hoje o novo diretor da maior empresa transportes do país, continuaria o trabalho do pai que a construiu com próprio suor e enriquecera com muita luta. Mas Claudio nunca esqueceu e nem esquecerá do dia em que descobriu que era preto, fedido, ladrão e marginal. E que por mais que tentasse mudar as coisas, ele teria que viver em uma sociedade preconceituosa, repleta de ignorância e imbecilidade com um governo
omisso. Mas Claudio é um rapaz inteligente que dá valor na opinião dos que realmente importam e respeita
a todos, mesmo os de mente pequena.
                               "Nos deram espelhos e vimos um mundo doente"

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Pressão/Calor

Eu desperto num escuro absoluto, não enxergava nem mesmo minhas mãos. Era vazio e frio esse lugar, gigantesco, eu andava tateando o vento em direções opostas me deparando com o vazio. Gritava por ajuda, raiva e por fim desespero. Não me lembro ao certo quanto tempo estive lá, mas lembro que me acostumei. O vazio era parte de mim e juntos riamos da própria desgraça. Em meio aquele breu eu não existia, não vivia. Sentidos se embaralhavam ao ponto que não sabia se o que eu sentia era real, assim como não enxergava minhas mãos, não enxergava meus sentimentos. Quando se é exposto constantemente a algo estranho, o estranho passa a ser o normal. Por isso me assustei quando senti em minhas mãos calor. Recuei as pressas e me mantive em silencio, mas o calor voltou. Não se dissipava, apenas estava ali, como que segurando a minha mão. Talvez tivesse notado meu medo, era isso. Estávamos juntos na escuridão
e não perdia meu tempo tentando entender o porque. Era aconchegante e pacifico. Mas o calor se transformou em uma pressão forte na minha mão, só me dei conta quando começamos a nos mover. Ele me arrastava em constante aceleração, eu ia tentando acompanhar seus passos aos tropeções. Essa pressão/calor sabia o que estava fazendo e eu sem esperança não me dava conta ou não me deixa acreditar naquilo.

Estaria eu sendo salvo?

Salvo por quem?

Da onde?

De que?

Eu era parte daquele escuro vazio, pra onde estaríamos indo? Me peguei experimentando velhas sensações. Meu coração reagiu, bateu forte o sangue e aqueceu instantaneamente meu corpo. Eu devolvi calor a o que quer que fosse aquela pressão/calor, pela primeira vez em muito tempo eu existi.
Corríamos por nossas vidas, entrelaçados em minha mão, entre meus dedos. Segurei forte e me deixei levar, através do vazio encontramos paredes e longos corredores.

Estaríamos perdidos?

Será que realmente não havia saída?

A pressão/calor notou a minha fraqueza, mas não me repudiou. Com um aperto ela me mostrou aonde minha mente deveria estar focada, estávamos juntos nisso.
A cada curva as paredes pareciam querer se encontrar e nos prender entre elas, correndo eu passava os dedos pelos tijolos que se aqueciam aos poucos. Estamos perto, eu pensei. Seja lá do que for, estamos perto. Ignorando câimbras e as pernas cansadas corríamos.
Avistei um ponto branco, ou era apenas meu cérebro me pregando uma peça? Não importava, não havia muito o que fazer a não ser tentar. E assim decidimos nosso destino, sem trocar nada mais que calor e pressão, concentramos no ponto branco toda nossa força e vontade. A medida que ele crescia eu fiquei cego novamente, a luz cega tanto quanto a escuridão. Quando atravessamos esse arco iluminado eu não podia ver nada, meus olhos doíam e minha pele queimava. Eu senti que a pressão/calor não estava mais em minha mão, pairava sobre meus olhos cobrindo-o do excesso de luz. Dando tempo de me recuperar, me salvando de novo. Então finalmente abri meus olhos e vi, a pressão/calor tinha mãos, pés, olhos e o sorriso mais lindo do mundo. A pressão/calor era uma pessoa feito eu, feita de carne, ossos e medos.
Olhei para trás e não vi nada, não havia nada. A verdade é que eu estava vivendo aqui feito todo mundo, preso no vazio escuro da minha infelicidade.
E ela me salvou!
Não me disse o que fazer, não me disse que estava errado. Apenas me deu a mão e me salvou de mim. Naquele momento decidi que seria pra ela, pelo resto de nossas vidas, uma constante pressão/calor.

Até quando você me aguentar Lara Patricia.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Sobre o que importa

Você descobre a intensidade do seu amor no momento que ele chega ao fim. Não existe um tempo certo, o relógio não te espera, o mundo não chora junto com você. Suas lágrimas são suas e apenas suas. No desespero de cada segundo vivido você sente todo esse sentimento se desapegando, descolando da sua pele, escorrendo até chegar ao chão. Uma massa fria, suja e repulsiva. Quase impossível de acreditar que era parte de você, que se apegou aquilo como se fosse o mundo.
E foi.
O seu mundo por todo o tempo que houve carinho, respeito e compreensão. Por todos esses minutos/horas seu coração bombeia de teimoso esse sangue gélido e quase que como um anuncio de óbito de alguém próximo, você se da conta da própria mortalidade.
Tudo parece tão vivo... e tão frágil.
Cruelmente o mundo gira, nenhum buraco se abre sob seus pés e te engole aos gritos. Você vê o sol nascendo no horizonte do céu, as luzes vizinhas, os carros, todo mundo seguindo em frente e esnobando você e sua dor. Você não é tão especial como foi forçado a acreditar. Você é só mais um. Oco, se dando conta do quanto abriu mão.
Tempo x Dignidade x Empenho.

Você segue em frente também.
Um dia, por misericórdia divina ou um gesto evolutivo, o sol te aquece numa dessas manhãs de noites mal dormidas. Você consegue olhar pra todos aqueles dias com carinho e sorrir, desejando apenas o melhor. O quase injusto melhor pra aquela outra pessoa que já foi sua.
Você não sabe mais o que sentir.
Amor?
Não pode ser amor, não mais.
A vida te ensina de novo que como as imperfeições do seu corpo te fazem lindo e único, assim são as cicatrizes e remendos em tudo que você representa. Descobre que quer o melhor e que as vezes lembra com carinho de tudo, não porque sente falta da outra pessoal ou ainda a ama, mas por respeito as experiências e escolhas da sua vida. Que por bem ou mal, marcam no canto dos seus olhos as batalhas perdidas.
Você lembra e sorri, porque é o que te resta.
Respeitar todas as escolhas que tomou, que te fizeram ser o que você é. É direito seu como humano, forçar a felicidade na sua vida quando ninguém parece se importar. Quando finalmente seguir em frente, sim você pode e vai, seu coração batera tão forte quanto aquela primeira batida quando ainda não tinha nome, dentro da barriga da sua mãe.
Não nos resta muito como seres humanos, seja la o que signifique isso hoje, se abrirmos mão de ser alguém bom, se abrirmos mão do amor, esse sera o nosso verdadeiro fim.
Amor é, apesar de tudo, a única solução pro caos da nossa existência.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Eu não sou como eles mas eu posso fingir

Diga a verdade dessa vez
mostre sua face real
minta pra mim
finja que ainda é quem eu conheci
quem eu sempre imaginei
com a roupa suja
de cara lavada
de quatro
feito de gato e sapato
me faça acreditar que ainda se importa
me traga flores
bata à porta
me traga uma arma
me traga
feito cigarro
pise em mim no final
me carregue no bolso
amassado
divido em 20 partes
sem filtro
razão do amarelo em seu sorriso
gargalhando a noite
dirigindo alucinado
traga sua arma
carregada
destravada
me de um soco no estômago
e dois na cara
atire para o alto
faça chover
para estancar a dor
para aliviar o sangue
para ranger os dentes
roer as notas verdes
seduzentes companhias da madrugada
de vista turva
tropicando na rua
largado no vomito
Insano
constante
fingindo que é igual a eles
fingindo que é feliz...

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Cinza

Eu vi
um retrato teu
sorri
não sei o que me aconteceu

era outubro
ventava
estava escuro
e você não estava

voltei
gritei do portão
me calei
quando a chuva chegou ao chão

procurei abrigo
embaixo de uma árvore
pensei sozinho
por favor não chore

o cinza triste do céu
chorava
o cinza em mim
se segurava

eu vi
o carro seu
fingi
que era eu

no banco ao lado
fazendo você rir
te segurando pelo braço
pra você não cair

quase desisti
então desisti de vez
amassei o papel e sorri
deixei cair o cartão que você fez

na esquina da sua rua
tem um bar pintado de azul
cada garrafa de cerveja
me lembrava seu corpo nu

o vento empurra o choro
lágrimas que caem do céu
sai andando pra onde moro
com o rosto de quem perdeu

o cinza triste do céu
chorava
o cinza em mim
se segurava
teimando em não dizer adeus...

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Para Sempre

Eu estava triste
e achei que não dava mais
esperava que alguém me visse
ou que pelo menos me deixassem em paz
eu olhei pros lados, acanhado
chutei o vento ao acaso
acertei um gato
no peito
que desrespeito
com o bico da butina
injusticei o pobre coitado
agora triste e culpado
gritei aos céus
até quando?
por quanto tempo mais?

PARA SEMPRE - caiu a chuva
PARA SEMPRE - miou o gato
PARA SEMPRE - tocou a buzina
PARA SEMPRE - fadado a sempre ser assim

Eu tentei e como tentei entender
os segredos da vida, os mistérios da morte
mas eu sem sorte parecia jogar
apenas pra perder
me lembro bem, foi bem no meio do mês
quando recebi o vale, um vale de vai
e não pense em voltar atrás
sozinho
gritei aos céus
até quando?
por quanto tempo mais?

PARA SEMPRE - soou o trovão
PARA SEMPRE - assobiou o vento
PARA SEMPRE - caiu a folha da arvore
PARA SEMPRE - com silencio respondeu minha solidão

Então sentado sozinho
num bar chamado duas camas
ou será três quartos
sei que o gim era barato
mas não sei se o que me serviam era gim
ratos, baratas e ratos
velhos companheiros
traiçoeiros
atravessaram o salão do bar
ao me ver chegar
agora me olham de longe
e cochicham
os rabos, eles espicham
como no ditado e só não sorri de ruim
minha personalidade e o gim
estranho no meu jeito mais estranho
paguei a conta, saltei do banco
olhei de canto
pra ver se me olhavam
mas já haviam me esquecido
até quando vai ser assim?
quanto tempo mais vai ser assim?

PARA SEMPRE - ninguém respondeu
PARA SEMPRE - a rua vazia me acompanhava
PARA SEMPRE - a casa estava fria
PARA SEMPRE - fui sozinho até o dia em que para sempre parti

terça-feira, 29 de abril de 2014

Tão Sujo Quanto A Cidade

As ruas
tão sujas quanto minhas veias
do jeito discreto com que jogam
o papel de bala no chão
eu poluo meu sangue
sempre sangue e algo mais
na seringa no chão

O ar
cinza e quase tão podre
quanto o que solto dos meus pulmões
temos o mesmo cheiro
sangue, sêmen e saliva
exalando a cada passo
monóxido de carbono

Por pior que sejamos
alguém nos ama no fim da noite
alguém sempre quer voltar
alguém sempre quer mais

O rio
tão amarelo quanto o suco
que sai do meu canal urinário
bebem dessa agua do mesmo jeito
que bebi da minha nos meus piores dias
nas maiores secas da minha vida

As pessoas
cômicas como em minha imaginação
resmungando, amaldiçoando e transando
como se fosse tudo o que há
se perdendo nos próprios pecados
se afogando nos próprios desejos
ruindo em culpa
como eu

Por pior que sejamos
alguém nos ama no fim da noite
alguém sempre quer voltar
alguém sempre quer mais

Outro cigarro
Outra dose
Outro quarto
Outros lábios
Mesmo erro
Outro corpo
Outro caso
Se afogando
No lado raso
Pedindo por mais
Implorando pelo fim
Outras 5, 7 horas
Outra volta
Alguém sempre quer voltar
Alguém sempre quer mais
No fim da noite
Por pior que a cidade seja
Ela dorme em paz
     "É difícil acreditar que não há ninguém lá fora
É difícil acreditar que estou sozinho
     Pelo menos tenho seu amor, a cidade me ama
       Sozinho como eu estou, juntos nós choramos"


sexta-feira, 11 de abril de 2014

A Carta Suicida de Claudio Henrique

Incrível o silêncio que está agora, justo agora.
Chega a ser irônico, a casa insiste em ranger a noite toda mas agora
um silêncio de matar. Talvez ela saiba, talvez ela veja.
Não há muito o que fazer depois que se toma uma decisão dessas.
A cadeira esta posicionada, a corda bem amarrada.
Só falta a carta.
Talvez a parte mais difícil de tudo, mais difícil ainda do que
colocar em volta do pescoço o último suplico por ajuda.
Mas vamos lá.

Deveria começar "endereçando" a carta, mas citando nomes posso causar
alguma confusão, um mau entendido e alguém ai vai ter que viver achando
que é culpado.
Mas se bem que a confusão estará pronta assim que tombar aquela cadeira.

"A quem interessar:"

Melhor assim. Impessoal.

"Se você que, ao encontrar meu corpo, se pergunta o porque ou
o que leva uma pessoa a tirar a própria vida, eu te devolvo
a pergunta: Por que tem que haver um porque?
Por que VOCÊ não pensa em tirar a própria vida?

Eu poderia listar uma série de razões pela qual eu fiz/farei isso.
Poderia dizer que não suporto mais a vida de casado, que eu e minha
esposa somos muito diferentes, que brigamos muito. Mas a verdade
é que eu a amo, muito.
Eu poderia falar do meu trabalho e como não aguento mais aqueles
putos e é verdade, mas não estou fazendo isso por eles.
A verdade é que eu não sou feliz, não consigo.
Nasci desprovido da capacidade de ser feliz.
Quebrado.
Sinto essa maldita dor o tempo todo, que vai do meu cérebro até
meu coração e volta. Rasgando e me sufocando.
E a parte engraçada é que eu não faço a mínima ideia por que sou
tão miserável.
E acho que chega.
Eu não estou fazendo isso por algum motivo secreto, por segredos
que estão por serem revelados.
Eu estou me matando porque eu SOU triste.
Sempre fui.
Ninguém nunca viu.

 Claudio Henrique."




E assim foram os últimos momentos de Claudio no mundo dos vivos,
após o ponto final ele tampou a caneta, a colocou no bolso da camisa
e se enforcou.
Quem o achou foi o cunhado, vomitou a sala toda. Pobre rapaz,
todo encorpado e com uma voz grossa de locutor de rádio AM mas mole
feito uma garotinha.
Mau sabia Claudio que apesar de ser claro em suas palavras finais,
ninguém entendeu nada.
Ainda se perguntavam porque, se ele havia comentado algo com alguém.
Acho que é difícil mesmo de aceitar que alguém esteja em constante
dor, e que essa dor não seja causada por algo físico.
Ele morreu.
Se matou.
Porque não era feliz.

Tudo é mais interessante as 5 da manhã

As 5 da manhã de amanhã
o síndico vai bater à sua porta
ela toda torta e de roupão
vai ouvir ele dizer:
não da mais.

E então as 5 da manhã de amanhã
um guarda vai bater no vidro do seu carro
vai exigir documento, habilitação e juízo
e te dizer com desprezo:
vai embora rapaz.

As 5 da manhã de depois de amanhã
vai acordar em frente a casa de seus pais
o velho chegando do serviço
você se desculpando do sumiço
e explicando como ela não te quer mais.

E as 5 da manhã de uma terça do mês que vem
você vai largar do cigarro
jurar um ultimo trago.
De cima de um prédio.
As 5:02 você estará lá embaixo.
Indo embora.
Achando que tudo vale a pena.
Que pena.
Você não é mais o cara das 5.
Você é só mais um que acorda as 6:15 agora.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Só mais 1

Como sempre foi
nada vai mudar
eu vou ficar pra depois
que a tempestade passar
não foi por mal
estarei no quarto
se precisar de mim
é só chamar
se eu não aparecer
melhor ligar pra alguém
não tema em não me ver mais
as vezes vou estar na TV
vão falar de mim
vão tentar entender

entender o que?
entender pra que?

me despedaçar
me recompor
um treco
um teco
um trem
descarrilar
ser só
ser só mais um

Como sempre foi
nunca mais será
os dias frios serão frios
e os quentes, quentes
nada mais
nenhuma mensagem subliminar
roupa no varal
mesa pronta pro jantar
ajeita o quadro na estante do quarto
prende na geladeira as contas a pagar

pagar o que?
com mais o que?

me desdobrar
me sobrepor
no teto
do boteco
apagar enfim
descansar
ser só
ser só mais um

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Nas noites em que penso em morrer

Eu bebo uma cerveja
Eu escuto a musica
Eu leio o livro
Eu sinto calor
Eu bebo outra cerveja
Eu ligo o ventilador
Eu brinco com o gato
Eu penso nela
Eu bebo outra cerveja
Eu vejo o céu
Eu sinto o vento
Eu penso no fim
Eu bebo a cerveja
A musica termina
O livro acaba
A cerveja esquenta
Mas bebo mesmo assim
Abro outra
Começa a próxima musica
Escolho um novo livro
Ainda pensando no fim.

                            "E do jeito que me sinto essa noite, eu poderia morrer 
                                                                e não me importaria..."